Conheça o trabalho do mateiro “Sabaré” e sua missão de recuperar a Mata Atlântica com o Programa de Biodiversidade Jeep
O dia de José Cícero da Silva, 50 anos, começa antes de o sol nascer. Às 4h, ele se levanta, troca de roupa e segue em direção às reservas de Mata Atlântica na comunidade de São Manoel, em Tamandaré, Litoral Sul de Pernambuco. É entre as árvores que ele toma café da manhã para, em seguida, com o inseparável facão que usa para desbravar as florestas, começar a coletar sementes que serão germinadas no viveiro do Polo Automotivo Jeep, localizado no município de Goiana (PE).
A relação de José Cícero – ou Saberé, como é conhecido na região – com as árvores vai muito além do trabalho de mateiro, profissional responsável pelo resgate de sementes nativas. “Conheço cada uma das espécies daqui. Muitas árvores vi nascer, então são como minhas filhas. Outro dia, fui ensinar um menino a tirar sementes e ele cortou um galho. Foi o mesmo que estar cortando um braço meu. Elas são a minha vida”, conta.
Saberé, que trabalha como mateiro há cerca de 30 anos, conta que foi na adolescência que descobriu a vocação. “Eu vivo no meio da mata desde os 12 anos de idade. Meu padrasto era machadeiro. Eu o acompanhava e acabava aprendendo. Fui tomando gosto e desenvolvendo a prática”, diz. Ele explica que os conhecimentos necessários para a profissão não surgem da noite para o dia. “As peculiaridades eu aprendi no batente mesmo. É um serviço que precisa de muito prática.”
O guardião de sementes – e, por que não dizer, das florestas? – utiliza o ofício como uma arma para a consciência ambiental. “Se alguém arrancar uma árvore, é preciso replantar outra que dê frutos para que venham mais sementes e não acabem com as espécies”, alerta.
Responsável pelo Programa de Biodiversidade Jeep, Danubia Lima ressalta a importância de Saberé como uma forma de ampliar ainda mais o número de espécies preservadas. “Hoje, o principal objetivo do programa é o resgate das mais diversas espécies da Mata Atlântica na região”, explica. “É aí que entra a figura do mateiro. Quando realizamos o estudo técnico, no início do programa, em 2014 compreendendo apenas a cidade de Goiana , conseguimos inventariar cerca de 174 espécies de plantas. Hoje, com o trabalho dele, o programa conta com 295 espécies, incluindo algumas em extinção. Isso torna a nossa biodiversidade cada dia mais rica”.
Muitas mudas produzidas no viveiro do Polo Automotivo Jeep, como Visgueiro, Praíba, Cupiúba e Pau-Pombo, tiveram origem nas sementes coletadas na comunidade de São Manoel. As mudas são germinadas no viveiro do Polo Jeep, que tem capacidade para produzir 22 mil mudas a cada três meses. A meta é alcançar, até 2024, o plantio de 208 mil mudas, com a criação de 304 hectares de área verde e corredores ecológicos na região.
O Programa Biodiversidade Jeep tem o compromisso de resgatar o bioma Mata Atlântica – um dos mais ameaçados do País – e, desde o primeiro ano de implementação até agosto deste ano, já alcançou o número de 84 mil mudas de 295 espécies diferentes plantadas.
O trabalho de Saberé, entretanto, não acaba na colheita. Depois de separar as sementes, ele inicia o processo de tratamento – ou, como ele prefere, de “beneficiação”. “É trabalhoso, mas difícil não é, sabe?”, ele diz. “Você precisa descascar. Dessa forma, o aproveitamento da semente sobe para 95%. Se plantar do jeito que ela vem da natureza, ela não vai germinar, vai acabar apodrecendo”, esclarece. Conhecedor nato das mais diversas espécies, Saberé acrescenta que cada uma tem um tratamento diferenciado. “Têm sementes que preciso colocar no sol para perder líquido, outras basta enxugar a polpa, pois se passar um dia no sol já não germina mais”, explica.
A paciência, ele conta, é uma grande aliada da profissão. Isso porque, assim como acontece nos tratamentos, as germinações de cada árvore também são diferenciadas. “É preciso ser bastante paciente, pois as espécies têm um tempo diferente para dar as sementes, depende muito do clima, da estação. Nenhuma espécie dá fruto por igual, então cada uma tem o mês certo.”
Após se doar por completo, passando pelo ritual de colher, separar e tratar cada semente para que elas fiquem prontas para serem levadas ao viveiro do Polo Automotivo Jeep, o sentimento de Saberé, ele conta, é um só: de satisfação. “É muito bom saber que sou uma peça de um programa tão bonito quanto esse, que quer preservar as nossas árvores, a nossa Mata Atlântica”, diz orgulhoso.