O município de Goiana está localizado na Zona da Mata do Estado de Pernambuco, no extremo norte da Região Metropolitana do Recife, em divisa com o estado da Paraíba. Uma das atividades econômicas de maior relevância dessa região é o cultivo da cana-de-açúcar, fato que se dá desde o período colonial, quando ocorreu o auge da produção. Inicialmente habitada por indígenas (das tribos Potiguaras, Tabajaras e Caetés), Goiana, após a invasão portuguesa, passou a ser ocupada por colonizadores e escravizados, estes vindos do continente africano para trabalhar nos engenhos. Muitos são os fatos históricos e culturais marcantes nas terras goianenses: foi uma das primeiras cidades brasileiras a considerar “livre” todos os escravizados por um decreto da Câmara de 25 de março de 1888 (antecipando-se, portanto, à Lei Áurea); o combate das mulheres do distrito de Tejucupapo contra a invasão de soldados holandeses, em 1646; e possuir um fértil terreno cultural, com diversos grupos de variadas manifestações culturais (alguns dos quais são Patrimônios Vivos de Pernambuco), como os grupos de Caboclinhos, de bandas filarmônicas, de ceramistas e de dois grupos da brincadeira Pretinhas do Congo. Folguedo inserido no ciclo carnavalesco, Pretinhas do Congo, cuja existência se verifica única e exclusivamente no município de Goiana, é representado por dois grupos: Pretinhas do Congo de Carne de Vaca, (1930), e o Pretinhas do Congo do Baldo do Rio Goiana (1936). Nos debruçaremos sobre este último, titulado Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2020, ligado ao Candomblé e à Jurema.
Para entender o que é o Pretinha do Congo, é preciso contextualizar historicamente a cidade de Goiana, e ter em mente que, devido aos escassos registros documentais, não há uma “história oficial” sobre sua origem. No começo do século XX, a camada de trabalhadores “livres”, em sua maioria formada por ex-escravizados ou seus descendentes, que vendiam sua força de trabalho para serviços os mais variados, principalmente voltados ao Porto de Goiana, às usinas e à nascente industrialização, principalmente têxtil, foi se estabelecendo na periferia da cidade. A partir de então, criaram suas associações próprias, em formas de práticas culturais e festejos populares. Assim, algumas décadas após o fim da Abolição, o surgimento de um grupo formado “pretinhas” que saía, em cortejo pelas ruas, ocupando os espaços públicos da cidade, por diversão própria e enaltecendo a alegria da “recém-liberdade” alcançada, foi em si um grande ato de resistência. Segundo relatos, seu criador teria sido Manuel Miguel, que organizou, para desfilar no Carnaval, uma agremiação formada por meninas, filhas dos trabalhadores braçais da região, em especial da Fiação e Tecidos de Goiana. Antônio Manuel dos Santos, conhecido por Pirrixiu, desfilou pela primeira vez com o grupo em 1936, e deu continuidade até a década de 1970, quando faleceu.
A Nação Pretinhas do Congo do Baldo do Rio assemelha-se, em alguns elementos, com o maracatu de baque-virado. Possui várias figuras em comum, como a do vassalo, do escravo, do rei e da rainha. A bandeira/estandarte é representada por dois homens negros, que representam os trabalhadores livres, e uma mulher negra segurando um maracá, simbolizando o caráter religioso, musical e festivo da agremiação. O Baldo do Rio, bairro onde se localiza a sede das Pretinhas é uma comunidade de pescadores e trabalhadores braçais. A maioria dos membros é analfabeta ou sem domínio pleno da escrita e da leitura, e vive em situação de pobreza. Eles mantêm a tradição dessa expressão cultural, principalmente através da oralidade, o que reforça a memória do grupo e a construção de sua identidade.
Bastante conhecido nesta localidade é Edvaldo Ramos da Silva, também chamado por Mestre Val, nascido em 1938 que, junto com sua sobrinha Rosa Maria dos Santos lideram o grupo carnavalesco. Seu Val, filho de Manoel Ramos da Silva e Amara da Silva, afirma que seu irmão, Lenildo, conhecido como Heleno, recebeu a incumbência de dar continuidade ao grupo Pretinhas de Pirrixiu (Dona Carminha, no entanto, filha de Pirrixiu e líder do Pretinhas do Congo de Carne de Vaca, reivindica a herança da manifestação cultural). Heleno era famoso na comunidade por ser um famoso babalorixá e possuía 25 anos de idade quando herdou o brinquedo. Na realidade, Mestre Val afirma que durante sete carnavais (1971-1977), Pretinhas do Congo foi liderado por Heleno e Carminha, filha de Pirrixiu. O jovem trouxe inovações à agremiação que não agradaram Carminha, e esta, por sua vez, passou a promover seu próprio desfile.
Heleno faleceu em 1992, no município de Itambé. O ocorrido fez com que Val assumisse a liderança com apoio de Rosa, nascida em 1962, e que desfila na agremiação desde menina. Já foi bandeirista, baiana e escrava no folguedo, e, na atualidade, participa do vocal junto a seu tio. Ambos entendem o grupo como uma associação que tem importância e impacto sociais e educacionais, sobretudo entre os mais jovens, na retomada da ancestralidade afrodescendente, nos valores e na construção identitária.
Enquanto manifestação cultural popular, o grupo, formado por aproximadamente 30 a 40 pessoas, resiste aos novos formatos de espetaculização dos eventos carnavalescos. Em 2008, foi aprovado pela Fundarpe, através do Funcultura, o projeto de Manutenção do Grupo Cultural Pretinhas do Congo. Na ocasião, a manifestação ganhou mais notoriedade e incentivos públicos, como novos instrumentos musicais, novos vestuários e nova confecção da bandeira. Um CD com as loas da Nação foi gravado, eternizando os registros históricos de tradição dotada de diversos simbolismos, significados e memórias. O grupo viaja por municípios do estado de Pernambuco fazendo apresentações, sobretudo durante o Carnaval. Em 2020 o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco foi somado às ações de salvaguarda desse brinquedo, incentivando, como disse Rosa ao receber o diploma do reconhecimento, que se mantenha a tradição cultural negra viva!