Esse é o valor gasto pelo governo federal na compra no exterior de remédios para tratar pacientes do SUS com doenças do sangue. A obra em Goiana e a compra de equipamentos consumiram quase R$ 1 bilhão.
A paralisação das obras de construção da fábrica da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), em Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, tem dado um prejuízo de R$ 800 milhões por ano ao governo federal. Esse é o valor que vem sendo gasto na compra no exterior de remédios para tratamento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que têm alguma doença do sangue, medicamentos que poderiam estar sendo produzidos no estado. (Veja vídeo abaixo)
Foi para tentar diminuir essa dependência que o governo criou, em 2005, a Hemobrás, uma estatal com capacidade pra recolher o plasma sanguíneo que não é usado nos hospitais para produzir nacionalmente os medicamentos derivados de sangue humano. Com investimento federal, a fábrica começou a ser construída em 2010 e a obra deveria ter ficado pronta 2016.
No entanto, apenas o o setor que recebe e armazena as bolsas de plasma está funcionando. A construção está parada desde novembro de 2016 após o Tribunal de Contas da União recomendar que o contrato com a empreiteira fosse cancelado depois de encontrar irregularidades na obra.
O consórcio que trabalhava na construção deixou para trás galpões cheios de material. São salas, laboratórios e depósitos prontos ainda não têm serventia. Apenas uma parte dos equipamentos foi instalada e a outra está debaixo de um depósito de lona ou embalada no improviso do lado de fora do local.
A obra e a compra de equipamentos já consumiram quase R$ 1 bilhão. Em 2015, uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal descobriu desvio de dinheiro em benefício dos gestores da Hemobrás. A diretoria foi afastada depois de uma decisão da Justiça. Os novos diretores trabalham em um levantamento para acertar as contas com a construtora, para, em seguida, poder contratar outras empresas para retomar as obras.
“A partir dos contratos repactuados e dos investimentos garantidos, cinco anos é o tempo que a gente estima para que a transferência seja garantida”, afirma Antônio Edson de Souza Lucena, gerente de Transferência de Tecnologias e Processos da Hemobrás. Segundo o gestor, esses contratos ainda não foram repactuados.
Enquanto a obra não termina, o sangue recolhido pela Hemobrás vinha sendo enviado à Europa como matéria-prima para retornar ao Brasil transformado em remédios. Porém, em 2016, o laboratório francês LFB, que é parceiro da estatal, perdeu a licença da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que permitia essa operação. O laboratório informou que recorreu dessa decisão porque, na França, a empresa tem esse certificado emitido pelas autoridades da área de saúde. Por conta desse impasse, nenhuma bolsa de plasma é enviada para a França desde dezembro do ano passado.
"Agora o Ministério Público Federal pediu na Justiça que a União contrate em, no máximo, seis meses uma nova empresa para transformar em medicamentos o plasma que já está armazenado pela Hemobrás. Os procuradores apuraram que, se isso não for feito logo, o material corre o risco de ter que ser descartado, o que representaria ainda mais prejuízo para a empresa", ressalta Sílvia Regina Pontes Lopes, procuradora da República. “O plasma pode se perder. Com certeza já se perdeu na sua função mais importante que é a produção do fator 8 recombinante que atende aos casos mais graves de doentes de hemofilia”, complementa.
De acordo com Flávio Vormittag, coordenador de Hemoderivados do Ministério da Saúde, está sendo elaborada uma licitação para fazer um fracionamento de uma parte desse plasma que está estocado. "É um processo relativamente demorado porque a gente precisa atender toda a parte de legislação, de lei de licitações, isso tudo é muito delicado até porque a gente está falando em um produto para a saúde que é bastante importante”, destacou.
Para que a estatal efetivamente funcione como o previsto, ainda são necessários R$ 600 milhões. De acordo com o médico Guilherme Robalinho, que acompanhou o processo de implantação da Hemobrás desde o início, é preciso pressa para que o investimento já feito se transforme em um benefício real.
“A Hemobrás funcionando a gente iria economizar muitos milhões de dólares em produtos importados que o SUS gasta hoje para servir à população brasileira. Esse dinheiro poderia ser aplicado em outras áreas do SUS que necessitamos. E, acima de tudo, nós iremos desenvolver uma indústria moderna para que pudéssemos ter competitividade e oferecer, a partir dos derivados de sangue, um avanço não só para a ciência como para Pernambuco, para o Brasil”, explica.