28 novembro 2017

Meio Ambiente: Projeto da Jeep faz resgate histórico da vegetação na Mata Norte pernambucana


Programa de reflorestamento está trazendo de volta os animais silvestres, como jaguatirica, raposa, cutia, guaxinim, capivara, sagui-do-tufo-branco, tamanduá, tejú, dentre outros

Por Priscilla Costa/Folha de Pernambuco

Um resgate histórico na área onde hoje está instalado o polo automotivo Jeep, em Goiana (Mata Norte, a 62 km do Recife), revelou a existência, em séculos passados, de 618 espécies de flora da Mata Atlântica nordestina na região. O levantamento, feito por pesquisadores das universidades Federal e Rural de Pernambuco (UFPE e UFRPE), inclui dados bibliográficos da literatura científica datados do início do século 19. Porém, ao comparar com as características atuais, os estudiosos perceberam uma perda de 70% da biodiversidade, ou seja, apenas 188 espécies nativas ainda resistem nos fragmentados remanescentes florestais do entorno da fábrica. 
Tal realidade veio à tona após o levantamento, encomendado pela Fiat Chrysler Automobiles (FCA) - grupo proprietário da Jeep -, às instituições de ensino. A intenção foi entender o tipo de vegetação que havia e o nível de regeneração natural para, assim, traçar técnicas que devolvessem as características iniciais do ambiente antes de qualquer intervenção humana. A introdução de espécies exóticas invasoras, a exemplo de mangueiras, mamonas, espada-de-são-jorge e jaqueiras, e o processo de desmatamento foram os principais motivos que levaram a esse prejuízo ambiental. 
Os estudiosos encontraram plantios de banana, macaxeira e até bambu, utilizado em meados de 1985 para a fabricação de celulose. Também consideradas invasoras, essas espécies, ao encontrarem condições favoráveis, dominam o solo a ponto de “sufocar” o desenvolvimento de espécies nativas. A bióloga e doutora em botânica pela UFRPE, Tássia Pinheiro, esteve entre os estudiosos que contribuíram com o estudo florístico da área.
Segundo ela, os resultados obtidos no local foram comparados com a flora presente em outros municípios da área norte do Grande Recife (Paulista, Itamaracá, Igarassu e Itapissuma). “Foi o que norteou a escolha de espécies para compor o projeto paisagístico nas proximidades do empreendimento”, contextualiza. Nessa lista, destacam-se alguns exemplares como o grão-de-galo, cipó-de vaqueiro, ingá, visgueiro, pau-de-jangada, apaga-brasa e a pitomba-da-mata. A identificação das espécies teve o auxílio dos herbários Professor Vasconcelos Sobrinho, da UFPE, e Dárdano de Andrade-Lima, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). A fim de recolonizar essas e outras espécies que antes havia na região, surgiu a estratégia de implantar um viveiro florestal. 

É lá, nesse espaço de área aproximada a um campo de futebol, que 88 mil mudas são produzidas por ano. São, ao todo, 289 espécies, sendo algumas ameaçadas de extinção como o pau-brasil. A ideia é chegar a um acervo total de 310. Nos últimos dois anos, mais de 60 mil mudas foram introduzidas na região. “Até 2024 queremos chegar a 208 mil mudas plantadas”, almeja o gerente de Meio Ambiente do Grupo FCA, Cristiano Félix. 
Fauna

Jaguatirica, raposa, cutia, guaxinim, capivara, sagui-do-tufo-branco, tamanduá, tejú. Esses foram alguns dos animais silvestres avistados novamente, fruto do trabalho de reflorestamento a partir das mudas produzidas no viveiro. A resposta da natureza foi captada por câmeras espalhadas nas matas, que, inclusive, flagraram um filhote de jaguatirica - uma prova de que os animais resgataram naquele lugar a confiança para se reproduzirem em segurança. Para testemunhar esse ganho da natureza, uma exposição fotográfica foi montada no viveiro florestal para encher a vista de quem for conhecer um pouco do trabalho ambiental feito pelo empreendimento.
“E que fique bem claro que essa iniciativa é voluntária. Não foi nada imposto pela CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente). Pensamos no viveiro a partir da perda da biodiversidade que a UFPE e UFRPE nos revelaram”, salienta Cristiano Félix. Para interligar os remanescentes florestais ainda fragmentados, a Jeep deu início à implantação de corredores ecológicos. A ideia é que, futuramente, as mudas de hoje se tornem grandes árvores, transformando-se num caminho para ligar as matas. Também chamado de corredor da biodiversidade, essa estratégia ambiental permite o livre deslocamento de animais, dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal. Ao reduzir a abertura entre florestas, possibilita-se o fluxo gênico entre as espécies da fauna e flora.

Ciclo de vida

Estudos complementares feitos por pesquisadores da UFRPE caracterizaram a fauna que ocorre nos remanescentes de vegetação na área da Fábrica Jeep. Os estudos consideraram os diferentes tipos de peixes encontrados nos cursos d’água, além de anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Pesquisadores reforçaram a necessidade de recuperar a área, para garantir o ciclo de vida dos animais que percorrem as florestas da região. 

Ictiofauna

Coordenada pela pesquisadora da UFRPE Ana Carla EL Deir, o estudo fez um levantamento das espécies de peixes existentes nos rios Guaribas e Tracunhaém, presentes nas matas da fábrica. O relatório indicou a ocorrência de peixes de relevância econômica, a exemplo do camurim e o linguado, e outros que indicam a qualidade biológica do curso d’água. 

No rio Guariba, o peixe beré se caracteriza por ser oportunista e adaptar-se bem em ambientes pobres em recursos naturais, ou seja, indicou, desta forma, a baixa qualidade ambiental do rio. Das dez espécies registradas no relatório elaborado pela pesquisadora da UFRPE, apenas uma foi classificada como “vulnerável”, a beta, peixe de pequeno porte muito procurado para aquários domésticos por sua beleza . Ela foi considerada, naquela região, como ameaçada por conta da degradação do ambiente.

Herpetofauna

O levantamento, feito pelo pesquisador da UFRPE Geraldo Moura, foi feito num remanescente florestal cortado pelo rio Guariba e considerou entrevistas com moradores locais, avistamentos e escuta da vocalização. Foram registrados 16 espécies, sendo quatro de répteis (todos da família dos lagartos) e 12 de anfíbios anuros (grupo que inclui sapos, rãs e pererecas). 

Os répteis identificados foram iguana, calango-verde, tejú e lagartixa. Já entre os anfíbios, destacaram-se a rã-chorona, rã-pimenta, sapo-cururu, perereca-de-banheiro e perereca-verde. Embora os répteis e anfíbios registrados possuam ampla distribuição, ocorrendo em grande parte do Nordeste, as populações encontradas estavam isoladas e em pouca quantidade, mas que num passado distante estariam conectadas porque as matas estavam conservadas. Além disso, a pesquisa revelou a inexistência de cágados e jacarés porque não há matas ciliares às margens dos espelhos d’água.

Avifauna

Sob a coordenação do pesquisador da UFRPE, Severino Mendes Júnior, o inventário ornitológico considerou os remanescentes na propriedade da fábrica e entorno, retratando o número de espécies residentes, migratórias, exóticas e ameaçadas de extinção. No levantamento histórico foram assinaladas 290 diferentes tipos de pássaros, enquanto que, nos trabalhos em campo, apenas 114 espécies foram identificadas. 

Dessas, as que ocorrem com frequência na borda da floresta estão a ariramba-de-cauda-ruiva, bico-chato-amarelo, anu-preto e a andorinha-serradora. Das aves endêmicas e ameaçadas, os pesquisadores avistaram o pica-pau-anão-de-pintas-amarelas, bico-virado-miúdo e o sangue-de-boi. Por conta do estágio avançado de desmatamento, sugeriu-se a implantação de corredores ecológicos para interligar as matas e, assim, garantir o ciclo de vida das aves.
Mastofauna

O estudo, realizado pelo estudioso Wallace Telino Junior, buscou registrar quais mamíferos ocorrem nas áreas de borda de floresta e interior dos fragmentos florestais, além de bueiros e interior de ocos de árvores. Das 53 espécies identificadas em registros históricos, seis foram observadas in loco, duas a partir das vocalizações, duas por meio de pegadas e 25 por meio de entrevistas com moradores da região - o gambá-de-orelhas-brancas foi citado como um dos maiores comedores de ovos de galinha. 

Além disso, os roedores também sofrem com a redução das florestas e são caçadas para consumo, a exemplo do coelho-do-mato, preá-do-mato e a cutia. Entre outros bichos que ocorrem na área da fábrica, destacam-se o cachorro-do-mato, jaguatirica, sagui-do-nordeste e o tamanduá-mirim. O estudo, como os demais, aponta para a necessidade de conservação e reflorestamento a fim de garantir a sobrevivência da fauna silvestre da região.

 
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