25 outubro 2017

Brasil: O problema das drogas

Gestores públicos, parlamentares e especialistas apontam dificuldades e caminhos para políticas de combate ao consumo de entorpecentes

Por Luciano Galvão Filho/Alepe

Metade dos quase quatro mil assassinatos em Pernambuco até agosto de 2017 tem relação com o tráfico ou com o consumo de drogas ilícitas. O dado é medido pela Secretaria de Defesa Social (SDS), que também registrou, no período, mais de duas mil ocorrências policiais relacionadas a entorpecentes no Estado.

“Sem contar os flagrantes, já apreendemos mais de 150 quilos de maconha neste ano”, relata o diretor do Departamento de Repressão ao Narcotráfico da Polícia Civil (Denarc), Cláudio Castro. “Vamos às escolas, conversamos com os jovens, nos aproximamos da comunidade. Os órgãos de segurança estão comprometidos em acabar com a distribuição, desde o comércio nas localidades mais pobres até a venda em festas rave”.
O esforço descrito pelo delegado se confirma em números compilados pela Polícia Federal. Apreensões de crack e cocaína crescem continuamente no Brasil. Apenas em 2016, operações policiais retiraram mais de 200 toneladas de maconha de circulação no País. No ano passado, quantidades de dinheiro encontradas com traficantes e leilões de bens utilizados na prática de crimes, como automóveis e aeronaves, somaram R$ 24 milhões – mais que o triplo contabilizado dez anos atrás.

Já o consumo vem se mantendo estável, mostram pesquisas da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Drogas. Levantamentos do Ministério da Justiça estimam que um em cada 11 brasileiros experimentou maconha pelo menos uma vez na vida. Entre os jovens de 18 a 25 anos, 17% afirmaram ter feito uso da droga, a mais consumida entre as ilícitas, em algum momento.

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relata que um em cada dez alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, em 2015, já havia provado substâncias ilegais. Quase um quinto dos estudantes disse ter amigos que usam entorpecentes. “Parece que estamos enxugando gelo”, compara o promotor de Direitos Humanos do Ministério Público de Pernambuco, Westei Conde. Para ele, as ações de prevenção deveriam se sobrepor às estratégias de repressão.

Indício de que as iniciativas para conter o avanço no consumo de drogas podem, também, estar falhando é que são as substâncias permitidas as responsáveis pela maior parte dos problemas relacionados ao abuso. O álcool é o principal causador de mortes ligadas ao uso de entorpecentes, assim como o motivo mais frequente de internações, de afastamentos do trabalho e de aposentadorias devido a problemas com drogas, segundo informações reunidas pelos ministérios da Saúde e da Previdência.

Os danos causados pelo abuso de entorpecentes mobilizam a Assembleia Legislativa de Pernambuco. Até o final do ano passado, esteve em funcionamento na instituição a Frente Parlamentar de Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas, que visitou escolas e presídios na Região Metropolitana do Recife para averiguar o problema. Anualmente, em 26 de março, Dia Internacional de Combate às Drogas, a Casa recebe entidades dedicadas ao enfrentamento da questão, que promovem o Mutirão pela Vida.

“A melhor alternativa é trabalhar a prevenção, investir na saúde, na educação, ir às escolas e ensinar o mal que as drogas fazem”, acredita o deputado Pastor Cleiton Collins (PP). No último mês de julho, o parlamentar liderou visita da Alepe, junto com outros órgãos estaduais, a comunidades terapêuticas, instituições sem fins lucrativos que atuam na recuperação de dependentes. “Hoje essas entidades têm apresentado resultados que o Estado não tem”, comenta.

Consequências – “Vivemos um modelo de incentivo ao consumo frequente e intenso”, entende a pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Roberta Salazar Uchôa. “A indústria de cerveja e da diversão cria um padrão de exagero muito perigoso”, pontua.

Para a especialista, têm sido altos os custos da inexistência de uma política de atenção integral, que valorize a cidadania, com serviços comunitários, e adote medidas de redução de danos e de reinserção social de usuários problemáticos. “Precisamos também de uma regulamentação que restrinja a comercialização, que seja rígida com o que a indústria de bebidas faz, mas não coloque as pessoas que queiram fazer uso do álcool no campo do tráfico.”

A ressalva levantada pela pesquisadora, explica ela, fundamenta-se na percepção de que “soluções militares” para conter o comércio ilegal de substâncias têm tido efeitos colaterais do ponto de vista social. “O que se faz é prender jovens de periferia e sem trabalho. É uma estratégia para retirar da sociedade os indivíduos considerados perigosos, mas que atinge fortemente toda uma geração que já vive à margem e com poucas perspectivas”, alerta Roberta Uchôa.

Uma das consequências que tem chamado atenção de estudiosos é o aumento da prisão de mulheres. Em 2000, o Ministério da Justiça contabilizava menos de seis mil detentas nas penitenciárias brasileiras. Dezesseis anos depois, a população carcerária feminina já chegava a quase 45 mil, um aumento de praticamente 700%. Mais da metade das presas respondiam pelo mesmo crime: tráfico de drogas.

“Mulheres ocupam cargos menores no mercado ilegal, como mulas ou pequenas vendedoras, e são flagradas com pequenas quantidades, em locais públicos”, explica a professora de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Érica Babini Machado. “A ideia que temos é de que a repressão atinge os barões do tráfico, mas a maioria dos presos são primários, pegos sozinhos e sem envolvimento com grandes organizações criminosas”, descreve o advogado Plínio Nunes, que desenvolve pesquisa sobre o assunto na Universidade de São Paulo (USP).

Nunes apresentou palestra na Alepe, em agosto, durante evento que discutiu a proibição das drogas. “Com o enfrentamento ao crime organizado, a guerra que seria contra os entorpecentes se volta contra as pessoas”, entende o especialista. “Os policiais combatem grupos altamente armados, porque a proibição aumenta a lucratividade do comércio, e ao final temos mais pessoas mortas de ambos os lados”.

O deputado Eduíno Brito (PP), que propôs a realização do debate, pondera que pode ser o momento de rever as políticas de repressão ao comércio e consumo de entorpecentes. “As drogas estão dentro das casas das famílias, então a política atual não está dando certo. Bilhões são gastos no combate e, ainda assim, crescem os prejuízos para a saúde e para a segurança pública”, opina o parlamentar.

“Precisamos discutir a descriminalização sem preconceitos”, analisa o deputado Rodrigo Novaes (PSD), sublinhando que, apesar da atuação crescente das forças de segurança, as operações policiais nunca são suficientes para coibir o tráfico. “Sempre fui contra a legalização, mas o problema ficou incontrolável e tem sido o núcleo do crescimento da violência. Será que a proibição é mesmo a melhor saída?”, reflete.

Érica Babini, da Unicap, acrescenta que o modelo de enfrentamento policial impede também que haja qualquer fiscalização sobre os elementos usados na produção dos entorpecentes. “Sem controle, podem estar sendo utilizadas substâncias que causam cada vez mais dependência, para que os traficantes vendam ainda mais”, observa.

No entanto, a ideia está longe de ser consenso. O secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco, Eduardo Figueiredo, não acredita na legalização como solução para a violência. “O crime se reinventa”, prevê. “Se legalizarmos as drogas, naturalmente haverá outras formas de financiamento.” O ponto de vista é compartilhado pelo deputado Cleiton Collins. “Só quem nunca perdeu um filho para as drogas pode defender a liberação”, crê.

O parlamentar alerta para os riscos à saúde que poderiam resultar de regras menos rígidas e ressalta que são as substâncias permitidas as que mais causam mortes e transtornos em decorrência do abuso. “Para tudo é preciso limites. O álcool é o que mais mata porque é livre, enquanto o cigarro, para o qual se criaram limitações, caiu em número de usuários”, argumenta.

Experiências – Progressos alcançados em outros países a partir da derrubada de proibições são levantados como exemplo por defensores da descriminalização. Em Portugal – onde, há quase 20 anos, a posse de até dez doses de qualquer substância deixou de ser punida com prisão –, foi verificado alívio sobre o Poder Judiciário e sobre os sistemas prisional e de segurança pública.

Já no Uruguai, está em curso a mais ambiciosa entre as experiências de legalização: o cultivo e a comercialização de maconha para fins recreativos foram regulamentados em 2013, com a criação de rígidos controles para evitar roubos de estoques (postos sob a guarda do Estado) e abusos por parte dos usuários. A venda em farmácias começou neste ano e, segundo as primeiras estimativas, retirou do mercado ilegal toneladas do entorpecente – apesar de os narcotraficantes seguirem comercializando outras substâncias. O Governo uruguaio ainda não divulga números sobre os resultados da medida.

Roberta Uchôa, da UFPE, lembra que, ao se desviar a abordagem da esfera criminal, precisarão prevalecer as medidas de atenção à saúde. “A partir daí, entra a necessidade de o Estado garantir uma rede de atenção para cuidar daquelas pessoas que possam ter problemas pelo consumo de drogas”, comenta. “Não fazemos isso, por exemplo, para tratar a diabetes? Nós não proibimos o consumo de açúcar, mas criamos uma estrutura de atendimento, de apoio psicológico e oferecemos tratamento adequado”, provoca a pesquisadora.

 
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