29 abril 2015

Economia: Em quatro anos, Goiana viu sua rotina mudar e agora está aprendendo a lidar com o progresso acelerado trazido pelo polo automobilístico

Tirando a feira livre diária, que vende de calcinhas penduradas a inhame, mudou quase tudo em Goiana nos últimos quatro anos. Para o bem e para o mal, a cidade e seus moradores estão aprendendo a lidar com o progresso. Hoje Goiana tem casa no Centro à venda com preço de apartamento na Avenida Boa Viagem, R$ 2 milhões. Com fachada de aparência modesta, essa fica defronte ao carrinho de churros do comércio informal da Rua da Misericórdia, já chegando à Avenida Benjamin Constant. Os proprietários explicam que são 7 metros de frente por 32 metros de fundo e primeiro andar. “Oxe, nunca pensei ver isso”, disse o mototaxista João Severino Gomes, de 31 anos, que apontou para o imóvel como exemplo das transformações recentes. “É só para você ter uma ideia de como estão as coisas aqui”.

O trânsito, que João enfrenta sob sol intenso, cresceu muito; e é desordenado. “Triplicou”, calcula sem base técnica, mas pelo olhômetro Luiz Duarte, que há 20 vende sapatos a preços populares em uma banca. Nos arredores da feira, referência principal da cidade pela extensão e frequência com que se ergue, pedestres, carros, motocicletas (muitos usuários sem capacetes), bicicletas (com mulheres segurando sombrinhas), kombis e ônibus de visitantes disputam espaço sem que um guarda seja visto. “Não esqueço que veio um italiano aqui e comentou que parecia tudo improvisado”, lembra Luiz Duarte. Luiz pareceu concordar com o italiano.

Nos últimos meses, os coletivos transportam sobretudo candidatos a vagas de emprego para a Jeep, que será inaugurada hoje pela presidente Dilma Roussef e pelo Grupo FCA (Fiat Chrysler Automobiles). As pessoas se organizam em filas. Aliás, eis uma mudança simbólica - as filas se incorporaram ao cenário urbano. Ontem uma começou a se formar às 6h30 na calçada da Faculdade de Goiana, atraindo gente de Itambé, Condado, Carpina e outras dezenas de concorrentes de estados vizinhos, como a Paraíba. Chamando um a um pelo nome e fazendo duas ou três perguntas, um rapaz natural de Paulista (Região Metropolitana do Recife) recebia os currículos para os interessados em postos de trabalho na Jeep. Foi assim até as 16h. A maioria nem sabia que Dilma estaria nesta terça-feira na nova fábrica.

Claudenice da Silva, de 38 anos, de Goiana, estava lá pela segunda vez. Há três meses, mandou currículo e, como não foi chamada, resolveu insistir. “Quero muito meu primeiro emprego com carteira assinada. Estou com esperança porque tenho várias amigas de tudo que é idade que foram contratadas”, disse. Do lado dela, estava o casal José Alex de Oliveira (32 anos) e Silma de Cássia (34 anos). No final do ano passado, voltaram do Rio de Janeiro com a família para o município de Condado, onde mora a raiz da família. Em resumo, nas ruas de Goiana, que tem cerca de 80 mil habitantes de acordo com o IBGE, o fluxo de gente aumentou bastante. O lixo também.

“Para mim, o pior problema é o da água. A cidade não fez planejamento para suportar a demanda”, considerou Bruno Carvalho, ex-comerciante de 43 anos, crítico da gestão municipal atual. “Virou outra cidade. Acho que você pode começar prestando atenção nos buracos das ruas porque é o que mais tem”, sugeriu Reginaldo Rodrigues, 37 anos, proprietário de um pequeno comércio onde uma xerox é disputada por quem disputa vaga nas novas fábricas que chegaram a Goiana. “O que eu acho é que tem muito emprego, melhorou nesse sentido, mas a cidade não acompanhou o movimento trazido pela Fiat e pela Jeep”, resumiu Reginaldo.

É exatamente essa a impressão de quem, como eu, esteve em Goiana em 2010 quando o polo automobilístico era apenas promessa. Goiana continua com as características de interior - ela que tinha natureza canavieira, mas parece assoberbada no que diz respeito à infraestrutura. A população reclama. Diz que a qualidade de vida ficou pior no que toca à habitação, ao trânsito e às ofertas de serviços municipais.

Talvez Goiana passe décadas para se ajustar à grande transformação promovida pelo polo automobilístico. Os investimentos da Fiat e da Jeep, de ordem privada, sempre serão motivo de comemoração, mas existem várias obrigações a serem cumpridas e creio que muitas dependem do setor público. O progresso passa por aí.

DiariodePernambuco
 
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