28 abril 2014

Goiana: Pixaim, a doce receita quilombola

Resistindo ao tempo, duas mulheres da cidade de Goiana, na Mata Norte, trabalham na produção da iguaria

Naquele pedaço de terra onde restos de conchinhas do mar enfeitam o chão em lugar da aridez do asfalto, o que chega ao paladar tem gosto de história, é iguaria de senzala. É perto de meio dia e as ruas de São Lourenço, distrito de Goiana, Mata Norte, estão tomadas por marisqueiras, crianças na labuta e moradores carregados com depósitos de água em busca do produto que não chega pelas torneiras. Em meio à ausência de políticas públicas, os moradores remanescentes do que restou do Quilombo de Catucá também alimentam-se da tradição culinária deixada pelos antepassados. Estão entre as pessoas que ainda produzem no estado um alimento de nome curioso, pouco conhecido no Recife. O pixaim é uma espécie de bolo, cuja aparência remete ao nome dado ao tipo de fibra do cabelo do negro.

Em São Lourenço, comenta-se que a receita é de domínio das famílias do distrito, mas hoje poucas pessoas parecem pôr a mão na massa para preparar a iguaria. Ana e Idalina, as duas marisqueiras amigas de longa data, dizem ser as únicas de São Lourenço a manter a tradição viva. Periodicamente, preparam o alimento para vender. Ana Maria dos Anjos, 51 anos, tem o sangue quilombola dos bisavós. Nasceu e criou-se no distrito goianense e conhece a receita do pixaim. Graças a isso, consegue melhorar o orçamento mensal. “Quando não tem marisco, não vou morrer de fome. Vou pra cozinha e faço pixaim, pé de moleque e bolo de arroz para sobreviver. Aprendi com minha avó”, conta a mulher que sai nos finais de semana vendendo a comida por R$ 1,00.

O forno à lenha, preparado bem cedo, está no ponto para receber as assadeiras abastecidas gentilmente, a pedido do Diario, pelas duas mulheres. Idalina Pereira da Silva, 43, embarcou em um percurso diferente para não entrar em concorrência com a amiga. Faz o pixaim, mas somente por encomenda. “Minha avó fez muito disso para vender no Recife. Vivia na Rua das Calçadas. Aprendi a receita com ela. Desde os 8 anos via ela fazendo. Hoje não conheço ninguém por lá que faça o mesmo”, lembra. Idalina não sabe, mas uma senhora desconhecida mantém a tradição na capital na mesma área central que a avó dela percorreu por tantos anos. A mulher, no entanto, escapou quando convidada a dar entrevista.

A receita é aparentemente simples. Trata-se de uma mistura de açúcar, farinha de trigo, margarina, ovo e coco, muito coco. “O segredo para o pixaim sair bom é o amor”, diz Ana, enquanto remexe a massa com experiência adquirida ainda na infância. “A gente faz, mas cada uma tem seu jeito e o gosto sai diferente no final”, detalha Idalina, que prefere pôr os ingredientes na panela em outra ordem. Para sair macio, precisa ser assado em forno à lenha, concordam as duas.

O historiador goianense Sérgio da Costa, adepto da jurema e do candomblé, aceita o pixaim preparado por Ana e Idalina e logo oferta a comida em seu altar montado em casa. Ele conta que teme que a receita se perca com o passar do tempo. “Acho importante o registro do pixaim em livros, dizendo como ele é preparado, por exemplo”, pontua.

Serviço

Contato de Idalina e Ana para encomendas: (81) 3616.3049.

DiarioPE
 
-
-
Todos os direitos reservados à Anderson Pereira. Obtenha prévia autorização para republicação.
-