30 dezembro 2011

A multiplicação do ABC

Projetos de novas fábricas privilegiam cidades distantes dos tradicionais redutos de produção de veículos.

Em dezembro de 2010, o presidente da Fiat na América Latina, Cledorvino Belini, anunciou que a montadora italiana iria construir mais uma fábrica no Brasil. Assim como na década de 1970, quando se decidiu por Betim (MG) para erguer sua primeira unidade industrial no Brasil, longe do tradicional polo do ABC paulista, onde estavam localizadas as montadoras instaladas no País, a Fiat surpreendeu mais uma vez. O local escolhido foi o município de Goiana, a 65 quilômetros do Recife. Com investimento que pode chegar a R$ 4 bilhões, a unidade terá capacidade de produzir 250 mil veículos por ano. “O Nordeste cresce em um ritmo acima da média brasileira”, afirmou Belini à DINHEIRO. “Goiana é hoje o que Betim era 39 anos atrás.” Assim como a Fiat, outras montadoras estão seguindo a mesma rota, redesenhando o mapa da indústria automobilística no Brasil. De dez projetos de fábricas anunciados em 2011, cinco são em locais onde não havia uma única fábrica de veículos até então. 
Entre elas, três estão em São Paulo: a chinesa Chery construirá sua unidade industrial em Jacareí, a japonesa Toyota escolheu Sorocaba e a sul-coreana Hyundai ergue sua planta fabril em Piracicaba. As outras duas ficarão por conta da japonesa Suzuki, que vai para Itumbiara (GO), e da holandesa DAF, que produzirá caminhões em Campos Gerais (PR). A Volkswagen, por seu turno, estuda ampliar sua capacidade produtiva ou erguer uma nova fábrica, possivelmente, no Nordeste. “Os grandes centros já estão saturados”, diz João Carlos Rodrigues, diretor da consultoria britânica JATO Dynamics, especializada no setor automobilístico. O que leva essas empresas a buscar locais não tradicionais para erguer suas fábricas? A razão mais óbvia são os incentivos fiscais que os municípios oferecem para ganhar o investimento. Tanta concessão assim faz sentido. 
“O setor automobilístico é um indutor de desenvolvimento”, diz Paulo Petroni, sócio da consultoria americana PriceWaterhouseCoopers. De acordo com ele, cada emprego direto pode gerar até 15 indiretos. “A cadeia de fabricação é muito grande e precisa de todos os tipos de profissionais.” As novas fábricas já estão gerando empregos e atraindo profissionais que buscam novas opções de carreira dos grandes centros. Ao optar por Piracicaba, a Hyundai está trazendo nove fornecedores coreanos e 20 brasileiros para compor seu parque industrial. Com isso, a marca estima que vai gerar 20 mil empregos indiretos na cidade. “Os prefeitos sabem que sediar uma montadora coloca sua cidade em outro patamar econômico, social e até cultural”, afirma Rodrigues, da JATO Dynamics. Incentivos fiscais, por si só, não são o único motivo que leva uma montadora a escolher o endereço de sua fábrica. A Fiat, por exemplo, diz ter optado pelo Nordeste em razão do crescimento das vendas locais. Em 2002, eram comercializados 175 mil veículos na região.

Neste ano, o número deve ficar próximo a 480 mil, aproximadamente 170% a mais. No mesmo período, as vendas de automóveis e comerciais leves cresceram 140% no Brasil. Ao investir em Pernambuco, a montadora italiana atrai ainda a simpatia dos consumidores do Nordeste. “Queremos participar do desenvolvimento regional e aproximar mais a Fiat  dos consumidores nordestinos”, afirma Belini. Quem está estreando no mercado brasileiro prefere estar localizado perto de grandes centros urbanos de consumo, como a região Sudeste, que ainda responde por mais da metade das vendas de carros no País. É o caso da japonesa Nissan, que escolheu Resende (RJ) para construir seu primeiro compacto nacional. “A proximidade do mercado, dos principais fornecedores e de centros de logística foram cruciais para a decisão”, afirma Carlos Murilo Moreno, diretor de marketing da subsidiária brasileira da Nissan. Outro fator foi a localização próxima a importantes portos, como o de Itaguaí e o do Rio de Janeiro. 
A Hyundai, por sua vez, levou também em consideração a qualidade da mão de obra. Piracicaba conta com a Universidade Metodista e fica a 70 quilômetros de Campinas, que sedia a renomada Unicamp. A única justificativa que parece ter sido descartada pelas montadoras ao escolherem cidades distantes dos redutos tradicionais da indústria é a ausência de sindicatos fortes. Mesmo que em um primeiro momento eles, de fato, inexistam nos novos polos, a tendência é os trabalhadores se organizarem, mais cedo ou mais tarde. A Volkswagen e a Renault sabem bem disso. Ambas têm fábricas em São José dos Pinhais (PR). Neste ano, a Volks enfrentou a mais longa greve de sua história. Durante 37 dias, os metalúrgicos de sua unidade industrial paranaense ficaram com os braços cruzados. A Renault, para evitar a paralisação, concedeu aumento de 20% aos operários, e um abono de R$ 62 mil, o maior do setor privado brasileiro.

IstoÉ Dinheiro
 
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